domingo, 4 de março de 2012

Calor Específico e Dilatação Térmica

O que esquenta com mais facilidade:  água ou ferro?
Qual dos dois materiais esfria com mais facilidade?


    Enquanto Newton desenvolvia seus trabalhos de pesquisa, a Inglaterra vinha sofrendo mudanças provavelmente invisíveis para Newton ou seus contemporâneos. Tais mudanças acabariam por se constituir numa verdadeira revolução. Falo das transformações na forma de produzir bens de consumo, da revolução industrial. Ela não aconteceu de uma hora para outra, mas mudou por completo a face do mundo a partir do final do século XVIII.
O grande símbolo desta revolução foi talvez a máquina a vapor de James Watt, uma máquina eficiente e versátil como até então não existia e que permitiu a indústria se expandir em toda a Inglaterra. A indústria crescente estava restrita a algumas localidades com condições mais favoráveis, principalmente a existência de rios caudalosos o suficiente para mover as rodas d´água que, por sua vez, através de polias e correias e engrenagens, moviam as máquinas (martelos hidráulicos, foles, serras, máquinas de fiar e coisas deste tipo). Com a máquina de Watt, a indústria estava livre desta limitação. As consequências do crescimento industrial foram muitas, difícil enumerar todas.
Mas uma condição para o desenvolvimento das máquinas térmicas foi o desenvolvimento da indústria que produzia ferro e aço. O conhecimento de como trabalhar estes materiais e de como melhorar e baratear sua produção permitiu o uso mais largo destes materiais. Durante a revolução industrial vemos a ciência sendo empregada para a melhoria das técnicas de produção. É a ligação entre ciência e tecnologia. O domínio dos materiais foi um passo importante neste sentido e ainda é algo fundamental para o mundo produtivo. Os materiais foram sendo ao longo do tempo, catalogados, classificados, caracterizados, comparados... Vamos dar dois exemplos desta análise dos materiais.


Calor Específico

    A pergunta inicial do texto é justamente para tratarmos sobre este comportamento dos materiais. Afinal, o que esquenta com mais facilidade: a água ou o ferro? Uma pergunta interessante porque mexe com nossos sentidos e nosso bom senso. Mas podemos ser enganados por nossos sentidos. Qual sua resposta? Para respondermos a ela, vamos apresentar o calor específico de alguns materiais. O calor específico é a característica que descreve o processo de aquecimento de materiais que ganham ou perdem calor (energia).

                    Substância            Calor Específico (cal/g°C)
                    água (líquida)                     1,0
                    Água (gelo)                         0,5
                    Água (vapor)                      0,48
                    Álcool                                  0,6
                    Alumínio                           0,22
                    Ar                                      0,24
                   Carbono                             0,12
                   Chumbo                             0,031
                   Cobre                                 0,091
                   Ferro                                  0,11
                   Madeira                            0,42
                   Mercúrio                          0,033
                   Ouro                                  0,032
                   Prata                                  0,056
                   Rochas                               0,21
                  Vidro                                  0,16
                   Zinco                                  0,093
(retirado de GREF. Física 2.  SP: Edusp, 1996. )

    Como você pode ver, cada material tem um valor de calor específico próprio. O da água é 1 cal/goC [calorias por grama e por graus Celsius] e o do ferro é 0,11 cal/g oC, bem diferentes, revelando a diferença entre os dois materiais. Para sabermos qual esquenta com mais facilidade precisamos compreender o que este número significa.
    Quando dizemos que o calor específico da água é 1 cal/g oC isto quer dizer que é preciso fornecer 1 caloria para 1 grama de água para que sua temperatura aumente em 1 grau Celsius. Da mesma forma é preciso retirar 1 caloria de 1 grama de água para que sua temperatura diminua em 1 grau Celsius.
Quando dizemos que o calor específico do ferro é 0,11 cal/g oC isto quer dizer que é preciso fornecer 0,11 calorias para 1 grama de ferro para sua temperatura aumente em 1 grau Celsius. Da mesma forma é preciso retirar 0,11 calorias de 1 grama de ferro para que sua temperatura diminua em 1 grau Celsius.
E agora já tem elementos suficientes para responder á nossa pergunta? Se ainda não, vou traduzir a ideia em números. Tomemos como exemplo 1g de água e 1g de ferro. Se os dois estão na mesma temperatura de 10 oC então:
(a)    é preciso fornecer 1caloria para esta porção de água chegar a 11 oC  e é preciso retirar dela 1 caloria para esta porção de água chegar a 9 oC;
(b)    Por outro lado, é preciso fornecer 0,11 calorias para esta porção de 1g de ferro chegar a 11 oC  e é preciso retirar 0,11 calorias para esta porção de ferro chegar a 9 oC.
Como podemos ver, um grama de água requer uma quantidade de calorias muito maior que um grama de ferro para aumentar a temperatura em 1 oC. Ou seja, a água esquenta com muito mais dificuldade que o ferro para esquentar. É claro que estamos falando de água e ferro na mesma quantidade. Pois se tivermos uma boa quantidade de ferro em comparação à quantidade de água o resultado pode ser diferente. A fórmula que relaciona a quantidade de energia (calor) que é fornecida a (retirada de) um material e sua mudança de temperatura é:

                                                         Q  =  m  .  c  .  ΔT
   
                           Calor  =  massa .  calor específico  . mudança da temperatura

    EXEMPLO 1: Inicialmente consideraremos uma porção de 200g de água e outra de 200g ferro que passam de 20 oC para 25 oC (um aumento de 5 oC na temperatura) e calcular o quanto de energia foi fornecido a cada porção.

             Água: Q = m . c. ΔT                                          ferro: Q = m . c. ΔT
                             = (200g) . (1 cal/g oC) . (5 oC)                           = (200g) . (0,11 cal/g oC) . (5 oC)
                             = 1.000 cal.                                                        = 110 cal.

   
A diferença é bem grande: para a água tiveram que ser fornecidas 1.000 calorias, para o ferro bastou 110 calorias. Assim vemos a diferença entre a resposta dos dois materiais. Consideremos agora uma porção de 500g de alumínio e uma porção de 500g de madeira que passam de 10 oC para 30 oC (um aumento de 20 oC na temperatura) e façamos a mesma comparação.
   
      Alumínio: Q = m . c. ΔT                                          Madeira: Q = m . c. ΔT
                            = (500g) . (0,22cal/g oC) . (20 oC)                            = (500g) . (0,42 cal/g oC) . (20 oC)
                            = 2.200 cal.                                                               = 4.200 cal.

   
    Novamente podemos ver que há uma diferença entre os dois materiais. Enquanto foi necessário fornecer 2.200 calorias para o alumínio, para a madeira tiveram que ser fornecidas 4.200 calorias, quase o dobro. Deste mesmo modo podemos comparar porções diferentes também. Imagine uma porção de 250g de vidro e uma porção de 600g de ouro que passaram de 20oC para 200 oC (um aumento de temperatura de 180 oC) e comparemos as duas.

       Vidro: Q = m . c. ΔT                                              Ouro: Q = m . c. ΔT
                       = (250g) . (0,16 cal/g oC) . (180 oC)                      = (600g) . (0,032 cal/g oC) . (180 oC)
                       =  7.200 cal.                                                           =  3.456 cal.


    Simples, não? Qualquer comparação assim pode ser feita desde que se conheça o calor específico dos materiais em jogo. É possível mostrar que, quanto maior a quantidade de uma porção de um dado material, maior a energia necessária para alterar a temperatura destas porções. Veremos isto a seguir.

EXEMPLO 2: Considere três porções de rocha (uma de 200g, uma segunda de 500g e a última de 1200g) que queremos aquecer de 10oC para 50 oC (um aumento de 40 oC na temperatura). Quanta energia devemos fornecer a cada uma destas porções para atingirmos nosso objetivo?

             Porção de 200g: Q = m . c. ΔT                        
                                               = (200g) . (0,21 cal/g oC) . (40 oC)
                                               = 1.680 cal.

             Porção de 500g: Q = m . c. ΔT                        
                                               = (500g) . (0,21 cal/g oC) . (40 oC)
                                               = 4.200 cal.

             Porção de 1.200g: Q = m . c. ΔT                        
                                               = (1.200g) . (0,21 cal/g oC) . (40 oC)
                                               = 10.080 cal.

Repare que, como esperávamos, as porções maiores precisariam de uma quantidade maior de energia. Haveria muitos exemplos interessantes a tratar, mas vamos mostrar só mais um. Se conhecermos a quantidade e a temperatura de uma dada porção de um material, podemos descobrir qual temperatura ela vai atingir se fornecermos um tanto de energia? A resposta é sim. Basta usarmos a mesma fórmula de uma maneira ligeiramente diferente (veja o exemplo a seguir).
EXEMPLO 3: Temos uma porção de 200g água e uma porção de 200g de ferro, ambas numa temperatura de 20 oC. Fornecemos a cada uma delas uma quantidade de energia de 4400 cal na forma de calor (colocando no forno ou levando ao fogo por um tempo controlado). Qual a temperatura que cada uma delas vai atingir? A nossa fórmula permite-nos calcular a mudança da temperatura de cada uma delas [vamos deixar de usar as unidades para ficar mais fácil visualizar a conta, mas o resultado será em oC]:

               Água:                                                       ferro:
                           Q  =  m . c. ΔT                                           Q  =  m . c. ΔT                        
            
                      4400  =  (200) . (1) . ΔT                           4400  =  (200) . (0,11) . ΔT

                      4400  =  200 . ΔT                                      4400  =  22 . ΔT

                      4400  =   ΔT                                                4400  =   ΔT
                       200                                                                 22

                          22  = ΔT  , ou seja,                                      200 = ΔT  , ou seja,

                       ΔT  =  22 oC                                                   ΔT  =  200 oC


    Repare que a mesma quantidade de água e ferro (200g) receberam a mesma quantidade de energia (4.400cal). A água teve um aumento de apenas 22oC na sua temperatura [chegando a 42 oC]. Enquanto isso, o ferro teve um aumento de 200oC na sua temperatura [chegando a 220 oC]!!!!!! Que diferença, não?
    Vemos então que para responder nossa pergunta inicial temos que considerar o tamanho das porções que usamos e ver se os dados sobre os materiais que comparamos já foram tabelados. Resumindo nossa divagação: comparando a mesma quantidade de dois materiais (água e ferro, por exemplo) que recebem a mesma quantidade de calor, aquele que tem o maior calor específico (no caso, a água) apresentará uma variação de temperatura menor que a do material com o menor calor específico (no caso, o ferro). Ou simplesmente: comparando dois materiais (na mesma quantidade e que recebem ou perdem a mesma quantidade de energia), o que tem menor calor específico esquenta e esfria com mais facilidade.


Coeficiente de dilatação

    Uma outra característica dos materiais é sua capacidade de mudar de tamanho conforme sua temperatura aumenta ou diminui. Apresentam alteração no seu volume, na sua área e no comprimento quando sua temperatura se altera. Para apresentar mais um tipo de característica dos materiais, para mostrar como acabaram sendo classificados e estudados, apresentamos o coeficiente de dilatação volumétrico, que mostra como o volume dos materiais se altera nestes casos. Veja a tabela:

                       Substância                Coeficiente de dilatação volumétrico  (10-6/oC)
                           Aço                                                       31,4
                           Água (liquida)                                      210,0
                           Água (sólida, gelo)                              153,0
                           álcool                                             1100,0
                           alumínio                                             71,4
                           cobre                                                  50,4
                           ferro                                                 34,2
                           invar (Fe,Ni)                                    2,7
                           madeira                                             90,0
                           mercúrio                                            82,0
                           ouro                                                  42,9
                           prata                                                  56,7
                           tungstênio                                          12,0
                           vidro comum                                      27,0
                           vidro pirex                                           9,6

  1. (retirado de GREF. Física 2.  SP: Edusp, 1996. )

    Aqui a ideia é parecida: qual material aumenta com mais facilidade? Bom, os materiais que apresentam maior coeficiente de dilatação (veja a tabela) apresentam maior o aumento de volume quando sua temperatura aumenta e maior a redução de volume quando sua temperatura diminui. Assim, a prata muda de tamanho com mais facilidade que a ouro (desde que tenham a mesma mudança de temperatura).
    Há um caso interessante: considere um jarro de vidro completamente cheio de mercúrio e que é levado ao forno. Isto quer dizer que tanto o vidro quanto o mercúrio têm o mesmo volume. O vidro e o mercúrio vão se aquecendo até chegar na temperatura do forno. Enquanto eles vão se aquecendo, tanto o vidro quanto o mercúrio apresentam mudança de volume. Mas pelo que vemos na tabela, o mercúrio dilata com mais facilidade que o vidro e, por isso, acabará vazando. Este é o princípio dos termômetros tradicionais. Com uma diferença, o jarro é fechado por um tubo na vertical. Conforme a temperatura sobe, o jarro dilata, mas o mercúrio dilata mais e acaba sendo forçado a subir pelo tubo. Quanto maior a altura que o mercúrio atinge, maior a temperatura do conjunto. Torna-se possível medir a temperatura medindo a altura da coluna de mercúrio.
Por um motivo semelhante um tanque cheio de álcool ou gasolina pode vazar quando a temperatura aumenta. É que o tanque, de aço, apresenta um aumento de volume, mas o líquido (gasolina ou álcool, no caso) apresenta um aumento maior de volume e expande para fora. Existem chaves elétricas que funcionam com dois metais diferentes unidos  formando uma barra que pode ligar e desligar o aparelho conforme a temperatura (de uma geladeira, por exemplo). O aquecimento desigual dos dois faz a barra entortar e desligar o aparelho.
    Há uma fórmula para calcular a mudança de volume de um material que sofre uma mudança de temperatura. Nela, o coeficiente de dilatação é representado por uma letra grega chamada sigma (γ). Não vamos fazer cálculos com ela agora, mas é interessante apresentá-la.

                                                             ΔV  =  Vo  .  γ  .  ΔT

                                   Mudança           Volume      coeficiente de     mudança
                                       de           =      inicial  .         dilatação      .          de
                             temperatura                           volumétrico         temperatura


Em outro momento, retornamos ao assunto. Até lá.

Um comentário:

  1. Professor, muito obrigado pelas excelentes explicações, mas uma coisa eu ainda não consegui entender, o que é o "10^-6/°C" ou "10^-5/°C-¹"?
    Não entendi o por que de elevar 10 a -6 ou -5, e o que significa esse ºC elevado a -1, sei que é referente ao coeficiente de dilatação linear "α", superficial "β" e volumétrica "γ" (esta o senhor errou a definição! Ela é o Gama minúsculo, o sigma é essa "Σ" ou "σ").

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