terça-feira, 13 de março de 2012

Calor Latente e Estados Físicos


O que, afinal, é um sólido? E um líquido? E um gás?
Como a água de um copo pode evaporar sem chegar a 100 oC?


            Quando falamos sobre calor específico e coeficiente de dilatação volumétrica (veja a aula sobre o tema) nós estávamos mostrando como a ciência foi caracterizando os materiais. Neste processo, ela foi se aproximando do mundo produtivo e deu as mãos à tecnologia. Não é incomum ouvirmos expressões tais como Ciência & Tecnologia. Mas a ciência foi conhecendo melhor os materiais e foi procurando meios de descrevê-los. Nós vamos falar de uma coisa que denominamos os Estados Físicos dos Materiais (ou as Fases dos materiais). Falaremos sobre estados Sólido, Líquido e Gasoso.
            Vimos que fornecendo calorias um material se aquece (sua temperatura se eleva). Mas isto não ocorre indefinidamente. Há um momento em que o material pára de se aquecer, mesmo que forneçamos energia a ele. È quando ele está em processo de mudança de estado físico. Os materiais podem mudar de configuração (sua composição, ou se quiserem, seus átomos e moléculas continuam iguais, mas há algo na ligação entre elas que muda). Estas passagens ocorrem em temperaturas bem definidas para cada material.
A tabela abaixo mostra a temperatura em que ocorrem a fusão dos materiais (quando eles derretem) e a temperatura de ebulição (quando eles borbulham, virando gás) quando sua pressão é controlada na faixa de 1 atm (a pressão do ar ao nível do mar). Os valores são retirados na sua maior parte do texto do GREF. Os dados podem ser acessados podem ser acessados pela internet nos seguintes sites: http://www.if.usp.br/gref/termo/termo3.pdf; http://www.pt.wikipedia.org/wiki/Estanho .

Material             Temperatura de fusão (oC)              Temperatura de ebulição (oC)
Tungstênio                        3.380                                                6.000
Ferro                                   1.535                                                 2.800
Cobre                                  1.038                                                 2.582
Ouro                                   1.063                                                 2.660
Zinco                                      419                                                    906
Chumbo                                 327                                                 1.750
Estanho                                  232                                                2.602*
Enxofre                                  119                                                   445
Água                                          0                                                   100
Mercúrio                                -39                                                   356,5
Etanol                                  -114,4                                                  78,3
Nitrogênio                           -210                                                  -195,5
Oxigênio                               -219                                                  -182,9


Podemos comparar a água com o ferro. A água quando na forma de gelo (sólida) vira água na forma líquida na temperatura de 0 oC. Isto é, ela derrete a 0 oC. Já o ferro derrete (passa de sólido para líquido) na temperatura de 1535 oC. Sabemos muito bem disso porque podemos pegar um gelo que está derretendo nas mãos, mas jamais poderíamos fazer o mesmo com um pedaço de ferro que está derretendo. A água forma bolhas na panela (entra em ebulição, passando de líquido para gás) numa temperatura de 100 oC. A ebulição do ferro (Sim! o ferro pode formar bolhas e virar gás) ocorre em 2800 oC, novamente numa temperatura bem maior que a da água.
            Como vemos, o comportamento da água e do ferro tem semelhanças e diferenças. Eles passam pelos mesmos processos de fusão e ebulição, mas em temperaturas bem diferentes. É interessante salientar que, se a fusão (mudança de sólido para líquido) ocorre em uma certa temperatura, então a solidificação (que é o processo inverso, de mudança de líquido para sólido) ocorre na mesma temperatura. Do mesmo modo, se a ebulição (mudança de líquido para gás) ocorre em uma dada temperatura, então a condensação (que é o processo inverso, de mudança de gás para líquido) ocorre também na mesma temperatura.


Os estados físicos e sua mudança

Sólido:
Um material que está no estado sólido tem suas moléculas (ou átomos) fortemente unidas entre si. A união é tão forte que impede que quaisquer duas moléculas (ou átomos) mudem de lugar uma com a outra. É por isso que quando uma molécula é arrastada, todas as outras são arrastadas juntas com ela. Dizemos que o sólido permanece com o mesmo formato. É por causa disso, pela forte união entre as moléculas.
Mas esta forte união não impede, entretanto, que cada uma das moléculas faça um pequeno movimento em torno da sua posição. É como a gente se ajeitar numa cadeira quando o professor não nos deixa sair nem trocar de lugar. O interessante é que este movimento é cada vez maior quando a temperatura vai subindo. Nas temperaturas mais baixas, as moléculas são mais comportadas. Nas mais altas são mais agitadas.
Assim há sempre uma competição entre duas tendências: a de manter tudo fixo e a de deixar tudo mais solto. As forças entre as moléculas querem deixar tudo fixo, a agitação das mesmas querem deixar tudo frouxo. Conforme fornecemos calor (energia térmica) ao material, a temperatura vai subindo. A agitação das moléculas vai aumentando. O material vai ficando mais molinho. Chega uma hora que as forças que seguravam tudo preso estão por um fio. É a hora em que está pronta a mudança de estado físico. A temperatura será aquela da tabela. Para o ferro, 1535 oC.
Ao fornecermos um pouco mais de calor ao material, ele não ficará mais agitado. Mas terá energia para se quebrar a união entre as moléculas. Elas vão recebendo energia e vão se soltando umas das outras. Sua agitação por um breve momento permanece a mesma, elas estão passando por uma mudança de estado físico, a fusão.

Líquido:
            Um material no estado líquido não é, como pode parecer, um material em que as moléculas estão totalmente soltas uma das outras. Ainda há contato entre elas, mas a união que existe não é capaz de fixá-las num lugar. Elas estão livres para se movimentar e trocar de lugar umas com as outras. Mas ainda ficam unidas. É o que vemos quando uma gota de água cai na pia. Ela não se esparrama toda, ela faz uma bolinha... No espaço os astronautas se divertem com as bolhas flutuantes de líquidos que dançam como se fossem uma bolha de sabão. As moléculas estão juntas, unidas. Mas podem fluir, podem, como disse, mudar de lugar entre si, podem rolar umas sobre as outras, podem formar correntezas...
            Podemos aprisionar as moléculas do líquido em um copo porque elas não se separam, mas se eu pegar alguma delas e puxar verão que as outras não vêem juntas. Ainda assim, mesmo livres, elas possuem uma agitação que pode crescer se a temperatura aumentar.
Conforme fornecemos calor a um líquido, sua temperatura sobe e as moléculas vão se agitando mais e mais. Chega um momento em que elas estão tão agitadas que podem escapar da influência das outras e partir sem rumo ao grande espaço que as cerca. Novamente há um momento em que a energia que fornecemos não será para agitá-las mais, mas para libertá-las do copo. Esta energia quebra o vínculo entre elas. Elas passam por uma outra transformação, a ebulição. Vão romper sua ligação com as outras num espetáculo de força, formam bolhas e abrem espaço para ganhar a atmosfera. É a ebulição.

Gás:
            Mas nossa história não acabou. Elas, finalmente livres, vão se movimentar independentemente umas das outras. Formaram um gás. Não há força de união entre elas. Por isso, se você abrir um refrigerante com gás, estas moléculas vão abrir caminho e escapar da garrafa. Um gás, como dizemos, ocupa todo o espaço que tiver disponível para si. Ele não tem uma forma definida, ele não se prende com facilidade.
            O movimento destas moléculas, mesmo neste estado, pode ser aumentado com o calor. Quanto mais energia fornecermos, mais rápidas ficarão as moléculas. Um gás muito aquecido pode provocar um acidente grave. Ainda mais se for a pressões altas, como mostram muitos acidentes lamentáveis que vemos acontecer.


Calor latente, propriamente dito

            Como vimos, durante as mudanças de estado físico a temperatura não muda. A energia que fornecemos será usada, nestes momentos, para “reconfigurar” a forma das moléculas se unirem. Dizendo de uma forma mais simples, a energia será usada para reduzir ou romper a união entre elas, não mudar seu movimento. A quantidade de energia necessária (por grama) para fazer a separação das moléculas é chamada calor latente. Observe a tabela abaixo, com o calor latente de fusão e de ebulição dos materiais da tabela. Os dados foram retirados de GREF (http://www.if.usp.br/gref/termo/termo3.pdf), http://www.engineeringtoolbox.com/fusion-heat-metals-d_1266.html e http://www-ferp.ucsd.edu/LIB/PROPS/PANOS/w.html  .

Material             Calor latente de fusão (cal/g)    Calor latente de ebulição (cal/g)
Tungstênio                           46                                                        959
Ferro                                   64,4                                                     1.515
Cobre                                     51                                                      1.290
Ouro                                      15,8                                                      377
Zinco                                    28,13                                                      -
Chumbo                                 5,5                                                      208
Estanho                                  14                                                       721
Enxofre                                  9,1                                                        78
Água                                      79,71*                                                539,6*
Mercúrio                               2,82                                                     68
Etanol                                    24,9                                                    204
Nitrogênio                            6,09                                                   47,6
Oxigênio                                3,3                                                    50,9

* No caso da água, costuma-se usar os valores aproximados de 80cal/g para o calor latente de fusão e 540 cal/g para o calor latente de ebulição.

            Esta tabela fornece, assim, a quantidade de calorias que devemos fornecer a 1 grama destes matérias para que eles, quando já na temperatura exata para a mudança, finalmente passem de um estado a outro (a fusão e a ebulição, como diz a tabela).
Uma porção de 1g de gelo vira líquido a 0 oC. Nesta temperatura, conforme mostra a tabela, devemos fornecer 79,71 cal só para quebrar a união entre as moléculas de água e ela finalmente virar líquida.
Uma porção de 1g de ferro sólido vira líquido a 1535 oC. Nesta temperatura, conforme também segundo a tabela, devemos fornecer 64,4 cal só para quebrar a união entre as moléculas de ferro e ele finalmente virar líquido.  O mesmo raciocínio se aplica à ebulição.
Uma porção de 1g de ferro líquido vira gás a 2800 oC. Nesta temperatura, novamente conforme mostra a tabela, devemos fornecer 1515 cal só para quebrar a união entre as moléculas de ferro e ele finalmente virar gás.
Repare que para usar o valor da tabela é preciso que o material esteja na temperatura correta, que é indicada justamente pela primeira tabela desta aula.


Exemplos de aplicação

            Vamos ver alguns exemplos simples de aplicação da idéia de calor latente e de temperatura de mudança de estado físico. São apenas para dar uma primeira compreensão do que estamos trabalhando. O assunto deve ser aprofundado depois.

Exemplo 1. Um bloco de gelo de 500g está numa temperatura de -4 oC. Forneceremos energia para derreter o gelo completamente. Quantas calorias deveremos fornecer a ele?

            Resolução: bem, como podemos ver na primeira tabela a água (gelo) deixa o estado sólido para virar líquido na temperatura de 0 oC. E nosso bloco de gelo não está na temperatura correta. Está a -4 oC (quatro graus abaixo do ponto de fusão). Se queremos que ele derreta, precisamos fornecer calor para ele chegar na temperatura de 0 oC antes de mais nada. Temos que fazer sua temperatura subir estes 4 oC fornecendo calor. Isto podemos calcular usando a fórmula Q = m.c.ΔT (veja aula sobre calor específico) e tomando o cuidado de escolher o calor específico correto do gelo, que é 0,5 cal/g oC.

                                                  Q = m.c.ΔT
                                               Q = 500 . 0,5 . 4
                                                 Q = 1.000 cal.

            Uma vez fornecidas estas 1.000 calorias ao gelo, ele estará na temperatura de fusão. Para fazer este bloco derreter por completo precisamos fornecer algumas calorias extras que são para quebrar a união entre as moléculas. Segundo a tabela anterior, para cada grama de gelo a quantidade de energia necessária para isso é de 80 cal (na verdade 79,71 cal).

                                1g de gelo a 0 oC      precisa de        80 cal

                           500g de gelo a 0 oC    precisará de       x  cal

            Multiplicando em cruz, temos:

                                       1 . x = 500 . 80
                                            x = 500 . 80
                                            x = 40.000 cal.

            Ou seja, para o gelo chegar na temperatura certa de fusão preciso fornecer 1.000cal, mas para ele derreter efetivamente depois de chegar nesta temperatura eu preciso fornecer 40.000 cal. O total será de 41.000 cal então.

Exemplo 1. Agora um bloco de ferro também de 500g e que está numa temperatura de -4 oC. Forneceremos energia para derreter o ferro completamente. Quantas calorias deveremos fornecer a ele?

            Resolução: O nosso bloco de ferro não está na temperatura correta (pela primeira tabela, o ferro derrete em 1535 oC. Está bem abaixo do ponto de fusão. Se queremos que ele derreta, precisamos fornecer também calor para ele chegar na temperatura de 1535 oC antes de mais nada. Temos que fazer sua temperatura subir estes 4 oC e mais 1535 oC, dando um total de 1539 oC, fornecendo calor ao bloco. Isto podemos calcular usando mesma fórmula acima:

                                                  Q = m.c.ΔT
                                               Q = 500 . 0,11 . 1539
                                                 Q = 84.645 cal

            Uma vez fornecidas estas cerca de 84.000 calorias ao ferro, ele estará na temperatura de fusão. Para fazer este bloco derreter por completo precisamos fornecer ainda algumas calorias extras, que vão quebrar a união entre os átomos. Segundo a tabela acima, para cada grama de ferro a quantidade de energia necessária para isso é de 64,4 cal.

                         1g de ferro a 1535 oC      precisa de        64,4 cal

                    500g de ferro a 1535  oC    precisará de       x  cal

            Multiplicando em cruz, temos:

                                       1 . x = 500 . 64,4
                                            x = 500 . 64,4
                                            x = 32.200 cal.

           
            Ou seja, para o ferro chegar na temperatura certa de fusão preciso fornecer 84.645cal, mas para ele efetivamente derreter depois de atingir esta temperatura eu preciso fornecer mais 32.200 cal. O calor total será de 116.845 cal então.

            Um bom exercício seria o de, seguindo o exemplo, fazer a conta para determinar quantas calorias seriam necessárias para derreter 500 g de cobre inicialmente a 18 oC. Experimente. O resultado total deverá ser de 71.910 cal.

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